14/08/07

Deus e o Diabo

Naquela noite encontrei Satanás. Não é feio, ao contrário do que dizem. Falou-me de coisas do quotidiano, de coisas vulgares que se ouvem todos os dias na televisão e nos jornais. Falou-me dos desejos e ansiedades das pessoas, das pequenas verdades e das grandes mentiras, dos segredos submergidos no fundo das mentes e que voltam à superfície como monstros marinhos para assombrar a sanidade dos fracos.

Contou-me que ele é o bom da fita e que Deus só dá sofrimento acrescentando ainda culpa e remorso. Fez-me ver que o inferno não tem esses preconceitos divinos e que portanto é um lugar muito melhor do que a vida terrena. Foi a partir dessa noite que fiquei a saber que o Diabo é mais piedoso do que Deus.

Mas não quis acreditar na maior parte das palavras que ele me tentou impingir. No meio das divagações tratou sempre o amor como se fosse algo comercializável, como o sexo ou o prazer instantâneo. Eu não acredito nisso, não posso acreditar. Porque apesar de tudo isto que tenho na cabeça, de todo o mal que fiz e que penso e que me acompanha, do ódio, da revolta e da sede de vingança – apesar de tudo isto, ainda penso em ti.

Tu sempre estiveste na minha alma. Tu, pura e inatingível, intocável e delicada, sensível e dedicada. Tu, diferente de todas as coisas más que me acompanharam desde sempre. Não é possível que algo tão belo e verdadeiro pertença a outro sítio sem ser o céu. E se eu penso sempre em ti e tu fazes parte de mim, quer dizer que ainda há esperança.

Naquela noite encontrei Satanás. Não é feio, pelo contrário, é bonito. Tens uns olhos profundos, misteriosos, assustadores só para quem não os conhece tão bem como eu. Quando penso nos teus olhos, lembro-me de quando te fiz chorar. Nunca te tratei como deveria, ou amei como poderia, nem nunca te dei a paz que sempre mereceste. Nunca tive tempo para dizer aquelas pequenas coisas que tu tantos gostas e que só agora me parecem tão importantes. Tu sempre estiveste na minha alma.

Naquela noite encontrei Satanás. E só agora notei algo. Satanás és tu.