25/07/07

Regicídio

1 de Fevereiro. O sol brilhante do dia de Inverno torna as cores mais alegres e o frio aconchegante faz as pessoas sentirem-se mais vivas. O rio, resplandecente e pacífico, abafa a azáfama que vem da baixa da cidade. Ali ao lado, perto dos grandes edifícios dos homens, meia dúzia de crianças brincam descontraídamente.

As meninas, com casacos apertados com folhinhos, saias compridas até aos pés e um chapéu a condizer, desfilam pelo passeio como se mil olhos estivessem a olhar para cada gesto seu. Os rapazes, com colete, relógio de corrente no bolso, bengala e chapéu alto, conversam sobre a menina mais bonita de entre as que passam. Para os lado da baixa, as vendedoras da rua berram com todas as forças para que todos vejam como o peixe é fresco.

Entretanto, carroças passam devagar, apreciando o belo dia que Deus ofereceu às Suas criaturas. Os cavalos fazem aquele som tão característico dos cascos a baterem no solo e as rodas dos veículos gemem por entre os sulcos da estrada. No interior duma das carroças, está uma família vulgar: pai, mãe e seus filhos. Conversam animadamente sobre todas as coisas que as famílias felizes costumam falar. O barulho silencioso deste cenário encantador só é interrompido pelos gritos das gaivotas, indiciador de que algum barco de pesca está quase a chegar.

De repente, o inesperado acontece. Um homem sai do meio da multidão e aponta uma arma à família feliz que passeava na carruagem. Tiros ouvem-se, os pássaros fogem, as pessoas entram em pânico, o medo instala-se em todos. De repente ouve-se, “Mataram o pai e o filho”.

Corajosa, cheia de sangue, a mãe levanta-se e olha furiosa para o carrasco do marido e do filho. O outro filho olha horrorizado para os cadáveres do pai e do irmão. Em câmara lenta, o rapaz vê as suas roupas cheia do sangue daqueles que ama, mas não tem lágrimas que o façam chorar de desespero. A mãe conforta-o, clama por ajuda, pede a Deus que venha dos Céus para remediar aquele estrondoso mal.

“Mataram o pai e o filho”. A nação ficou órfã porque, desgraçadamente para todos, não era uma família vulgar. O trauma não ficará só sobre o filho e a mãe, ficará sobre todos os filhos da Nação, geração após geração.

“Mataram o pai e o filho”. Lisboa nunca mais será a mesma, o país nunca mais será o mesmo. Passadas décadas e décadas, Portugal ainda chora aquele sol brilhante num dia de Inverno.

Outubro de 2003 ©